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personagens e autoria

O tema central deste projeto – a representação – corresponde a uma preocupação crescente no campo literário. Cada vez mais, os estudos literários (e o próprio fazer literário) se ocupam dos problemas ligados ao acesso à voz e à representação dos múltiplos grupos sociais. Ou seja, eles se tornam mais conscientes das dificuldades associadas ao lugar da fala: quem fala e em nome de quem. Ao mesmo tempo, discutem-se as questões correlatas, embora não idênticas, da legitimidade e da autoridade (palavra que, não por acaso, possui a mesma raiz de “autoria”) na representação literária. Tudo isto se traduz no debate sobre o espaço, na literatura brasileira e em outras, dos diferentes grupos sociais e, dentre eles, em especial, dos grupos marginalizados – entendidos em sentido amplo, como todos aqueles que vivenciam uma identidade coletiva que recebe valoração negativa da cultura dominante, sejam definidos por sexo, idade, etnia, cor, orientação sexual, posição nas relações de produção, condição física ou outro critério.

A preocupação com a diversidade de personagens não é um mero eco de modismos acadêmicos, mas algo com importância política. Pelo menos duas justificativas para tal importância podem ser dadas. Em primeiro lugar, a representação artística repercute no debate público, pois pode permitir um acesso à perspectiva do outro mais rico e expressivo do que aquele proporcionado pelo discurso político em sentido estrito. Como isso pode ser alcançado e quais seus desdobramentos possíveis, tanto em termos literários quanto sociais, é algo que permanece em aberto, mas essa parece ser uma das tarefas da arte, questionar seu tempo e a si própria, nem que seja através do nosso questionamento.

Em segundo lugar, como apontou Nancy Fraser (1997), a injustiça social possui duas facetas (ainda que estreitamente ligadas), uma econômica e outra cultural. Isto significa que a luta contra a injustiça inclui tanto a reivindicação pela redistribuição da riqueza como pelo reconhecimento das múltiplas expressões culturais dos grupos subalternos: o reconhecimento do valor da experiência e da manifestação desta experiência por trabalhadores, mulheres, negros, índios, gays, deficientes. A literatura é um espaço privilegiado para tal manifestação, pela legitimidade social que ela ainda retém. Daí a necessidade de democratizar o fazer literário – o que, no caso brasileiro, inclui a universalização do acesso às ferramentas do ofício, isto é, o saber ler e escrever – e também de ampliar a representação do social que ele nos oferece.

A inclusão, no campo literário talvez ainda mais do que nos outros, é uma questão de legitimidade. Neste sentido, a própria crítica e a pesquisa acadêmica não são desprovidas de relevância. Ler Carolina Maria de Jesus como literatura, colocá-la, quem sabe, ao lado de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, em vez de relegá-la ao limbo do “testemunho” e do “documento”, significa aceitar como legítima sua dicção, que é capaz de criar envolvimento e beleza, por mais que se afaste do padrão estabelecido pelos escritores da elite.

O objetivo principal da pesquisa foi entender qual a presença, na narrativa brasileira mais recente, de personagens de diferentes grupos sociais. Num recorte que possui seu quê de arbitrário, como qualquer recorte, optou-se por trabalhar com romances e contos publicados a partir de 1990. Dentre esses, foram escolhidos aqueles que, por critérios variados, são considerados mais representativos do campo literário brasileiro (prestígio do autor e da casa editora, repercussão na mídia, premiações etc.).

Os resultados esperados incluem, sobretudo, a produção de um mapeamento das personagens da narrativa brasileira mais recente, que servirá de subsídio para a investigação mais ampla à qual está vinculada, o projeto "Representações de grupos marginalizados na narrativa brasileira contemporânea" e apoiado pelo CNPq.

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